terça-feira, 7 de junho de 2011

Pessoas feridas

"Cuidado com as pessoas feridas, essas são as mais perigosas pois sabem que podem sobreviver".
Não sei de quem é a frase, mas diante dela me pergunto: e quem não é ferido?
Será que existe alguém que tem o coração intacto, sem remendos, inteiro? Alguém que não foi obrigado a deixar algum pedaço pra trás?
A vida mostra os dentes que nem cachorro grande desde o momento em que abrimos os olhos pro mundo. Nosso coração é machucado mesmo quando ainda não sabemos diferenciar os sentimentos. Experimentamos os sentimentos ruins desde cedo, não existe nem idade mínima para sofrer. Diante da proporção dos fatos, claro. Afinal, lembro como se fosse hoje o ciúmes que eu sentia da minha mãe com a minha prima em uma foto e do meu pai com a minha prima em outra, eu queria rasgar aquilo, destruir, meu coração doía. Como assim minha mãe com outra criança no colo? Como assim meu pai brincando com outra menina? Eu não sabia o que era. Eu tinha 5, 6 anos e já tinha experimentado o ciúmes.
Ou quando eu tinha 7 anos e meu pai contratou uma sereia pra minha festinha da "Pequena Sereia" e a sereia ficou com minha vizinha no colo. A aniversariante era eu, não era? Sai daí, porra. Fiquei triste, magoada, sentida. Até minha mãe conversar com a sereia e ela me chamar pro colo dela. Era meu lugar, né?
Ou uma vez então na primeira série da escola, quando uma menina morta de inveja de mim me deu um tapa do nada. Eu senti raiva. Ou outra vez, pequena ainda, que inventaram mentiras a meu respeito e me acusaram de coisas que eu não havia feito. Sentimento de injustiça.
Com o passar dos anos tudo só cresce. Chegam os relacionamentos e com ele mais uma porrada de decepções. A gente conhece os sentimentos de paixão, amor. Constrói relações com as pessoas, tijolo por tijolo e de repente vem o trator do pé na bunda, ou o da decepção, passa por cima e tudo vira cascalho. Quem não passou por isso, me diz? Porque senão passou, ainda vai passar.
Somos obrigados a superar, sempre, esse é o irônico. Somos obrigados a fingir pra nós mesmos que não sentimos nada mesmo quando o coração tá bombardeando. Somos obrigados a destruir aquilo que nós mesmos construímos. Somos obrigados a deixar pra trás muitas vezes aquilo que mais amamos. Somos obrigados a rasgar sonhos, esquecer planos. Somos obrigados a continuar vivendo com o coração costurado, cheio de band-aids e cicatrizes. Alguém nos diz que a vida vale a pena, então a gente continua. Mesmo sem muita certeza disso, a gente continua. Esse é o ciclo natural das coisas.
A diferença de antes e agora é que aprendemos que a gente sobrevive. Aos trancos e barrancos a gente sobrevive. E sabendo disso queremos chegar logo na etapa final, queremos pular essa fase intermediária de sofrimento, resumi-la, a gente já sabe que vai passar. E vem daí a nossa força, nossa vontade de seguir em frente logo, nossa vontade de sacodir a poeira rapidamente e dar a volta por cima. Vai ver por isso dizem que as pessoas feridas sabem que podem sobreviver. Algumas pessoas feridas acabam aprendendo que sentimentos ruins nos acompanharão pro resto da vida, que não há remédio pra isso e tampouco alguma solução. Que ao longo dela, vamos deixando pedaços do coração pelo caminho, mas que no fim, sempre sobra alguma coisa, ainda que remendada. Que o coração ainda assim vai bater.

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